Direto de Las Vegas, EUA – A LG viveu maus bocados no Brasil, mas isso tudo parece estar superado. O presidente Daniel Wong conta em entrevista exclusiva ao Tecnoblog que a gigante sul-coreana passa por um momento de retomada. Os investimentos cresceram, o organograma foi refeito e novos produtos devem desembarcar no mercado doméstico nos próximos meses.
Chama atenção, por exemplo, o preparativo para o lançamento do LG Family Club, espécie de programa de fidelidade com três pilares: descontos, educação e benefícios para os clientes. Ele pode até lembrar o Samsung VIP, mas Song diz que não irá repetir o programa criado pela principal concorrente nos últimos meses. O executivo também conta bastidores sobre a escolha dos produtos, fala sobre o cenário macroeconômico e garante que as TVs OLED da LG são superiores às da concorrência.
Confira o bate-papo a seguir. Trata-se da primeira entrevista desde que Daniel Song passou a ocupar também o cargo de presidente da LG na América Latina. O material foi editado para fins de clareza e brevidade.
Thássius Veloso – Faz um ano que o senhor assumiu a presidência da LG no Brasil. Logo no começo, disse que tinha a intenção de expandir os negócios. Qual o balanço deste período?
Daniel Song (LG) – Realmente passávamos por muita dificuldade entre 2021 e 2022. A rentabilidade não era boa. Conseguimos melhorar isso e voltamos ao saldo positivo. Avançamos em 2023 em áreas como marketing, comércio e serviços. Também criamos uma divisão de Go-to-Market (GTM) e a operação do LG Studio, que produz conteúdo para o digital. Foram várias mudanças com um só objetivo: aproximar a LG do consumidor brasileiro. Nós mudamos a nossa mentalidade.
Então a LG teve prejuízo no Brasil?
Aconteceu em 2022. Escapamos disso em 2023. Agora estamos vivendo um bom momento e vamos ampliar a atuação junto aos nossos parceiros comerciais.
Qual vai ser o foco para 2024?
Antigamente nós seguíamos um padrão de comunicação estabelecido pela matriz na Coreia. Era a mesma coisa com ingleses, franceses, italianos. Nós estudamos os dados dos consumidores brasileiros e começamos a mudar o material de comunicação.
O que o brasileiro busca?
Os brasileiros têm um comportamento diferente dos mexicanos quando a gente fala de refrigerador. Normalmente os mexicanos preferem máquinas maiores porque fazem compras grandes, enquanto aqui existe o hábito de comprar toda semana. Ou seja, a pessoa não quer ficar muito tempo com a comida na geladeira. Além disso, o brasileiro limpa o refrigerador com uma frequência muito maior do que coreano. Isso reflete na escolha dos materiais dos nossos produtos.
Para durar mais?
Isso! Também levamos em consideração que o brasileiro naturalmente se interessa mais por tecnologia. As pessoas gostam de coisas inteligentes. Com o passar do tempo, vamos trazer mais produtos dentro do conceito de Smart Life.
E por que não dá pra trazer tudo de uma vez? Muitos itens foram anunciados aqui na CES.
Nós estamos fazendo testes nos Estados Unidos. Depois vamos levá-los a outros países. O custo para ter uma casa conectada não é tão confortável para o bolso dos brasileiros.
Eu vejo gigantes da tecnologia que atuam no Brasil e precisam enfrentar uma espécie de dilema: por um lado, querem entregar o máximo de recursos, mas por outro, precisam criar produtos de baixo custo. Como vocês equilibram essa conta?
A OLED Evo é uma TV que tem apelo aspiracional e custa mais caro. É lógico que vendemos menos dela do que as TVs Full HD de 32 polegadas ou de 40 polegadas, que são produtos massivos. Começamos a incluir funções de IA nos modelos de 50 polegadas. Dessa forma, o cliente que prefere este tipo de equipamento começa a desfrutar de alguns benefícios de itens mais caros.
Os produtos premium representam quanto das vendas da LG no país?
Essa é uma informação sigilosa. O que eu posso dizer é que tenho a meta de manter cerca de 30% de produtos premium, que é o caso da recente OLED Evo C3. O restante seriam os produtos de massa.
O CEO global William Cho disse que está acontecendo uma transformação na LG: ela estaria passando de uma fabricante de utensílios domésticos para uma empresa de soluções digitais. Para onde vocês estão caminhando?
Nós tradicionalmente éramos uma empresa que vendia uma máquina, um hardware. Daqui para frente, também queremos ser uma empresa relevante de software, de plataforma. Nós apostamos na conectividade entre os vários aparelhos. O cliente que leva uma TV LG depois vai querer uma máquina de lavar. E ainda temos o sistema webOS, que poderá se tornar uma fonte de novas receitas. Nós já oferecemos serviços de publicidade diretamente na interface da smart TV. Ainda é muito pequeno no Brasil, mas está avançando nos Estados Unidos.
Qual foi o investimento em pesquisa e desenvolvimento de software para que as soluções sejam mais integradas?
Não posso revelar números, mas te garanto que é maior do que qualquer concorrente. Até porque nós já não temos mais a divisão de celulares, como você sabe.
Eu sei! Eu estava lá…
Os smartphones desapareceram e o faturamento global da LG não caiu. Continua aumentando.
Então o celular não fazia diferença para a companhia?
Não fazia.
Estamos no verão e passamos por algumas ondas de calor nos últimos meses. Como está a operação de ar-condicionado?
O faturamento de 2023 manteve-se praticamente estável em relação a 2022. Teria sido maior caso não tivéssemos problemas de logística em Manaus, onde fica a nossa fábrica. Os rios secaram e não havia transporte. Além disso, reduzimos drasticamente a produção dos ar-condicionados do tipo on/off. Estamos focando no inverter, que é definitivamente melhor do ponto de vista de gasto energético. O governo deu condições especiais para oferecermos este produto.
Vocês vão parar de fabricar o on/off?
Estamos quase chegando nesse patamar. A LG é a número um na categoria de inverter há muitos anos e vamos manter a estratégia. Outras empresas do setor também estão fazendo este movimento.
O faturamento do setor de eletrônicos fechou o ano passado abaixo do esperado. A Abinee, que representa as empresas, estima uma queda de 6%. O senhor vinha me dizendo que a LG não passou por isso. Ainda assim, pergunto: no geral, como voltar a crescer?
Oferecer um preço mais baratinho não é a solução porque o faturamento total vai cair. O consumidor pode ficar contente com desconto de R$ 100 ou R$ 200, mas isso não é tão interessante quando estamos falando de produtos que serão usados por 7, 8, às vezes 10 anos. É preciso explicar ao cliente por que ele deveria pagar um pouco mais por um produto melhor. A LG no Brasil terá de trabalhar mais a sua comunicação para persuadir o consumidor.
Como vocês vão fazer? Porque o produto já tem tecnologia e preço competitivo… o que falta?
Falta uma comunicação direcionada aos consumidores, para que eles entendam bem os benefícios dos produtos. Eles precisam entender que a vida vai ficar mais inteligente. Desde março de 2023, nós começamos o LG Studio, uma operação para criar conteúdo para o ambiente digital. Estudamos, produzimos e publicamos material audiovisual.
Concorrentes da LG têm feito programas de fidelidade ou oferecido garantia estendida. Seriam formas de aumentar a recorrência. Isso é importante para a LG?
Nós realmente éramos muito fracos no chamado D2C (Direct to Consumer) porque não estávamos dando atenção a isso. Decidi mexer nisso a partir de 2023, com a reorganização de diversas áreas da companhia.
O que isso quer dizer do ponto de vista prático? Porque a Samsung anunciou o Samsung VIP, que cobra uma mensalidade e dá uma série de benefícios.
Nós vamos lançar no Brasil o LG Family Club, um programa voltado aos nossos consumidores. Inclui mecanismo de fidelidade, promoções e conteúdos educacionais ensinando a usar os nossos produtos. Também vai ter garantia estendida e logística reversa. Eu não quero copiar o nosso concorrente, por isso optamos por este caminho. A primeira versão deve chegar em março.
Será gratuito?
Vamos começar com um produto gratuito, mas ainda estamos estruturando o projeto. Será preciso esperar um pouco. Ele também vai ter descontos e a recompra de produtos. Teremos um contato direto com o consumidor. Digamos que a pessoa fez uma compra, levou o produto para a casa e ficou com uma dúvida. Ela terá uma atenção personalizada. Também será possível participar de videoaulas em grupo.
O presidente da Motorola no Brasil me disse que os atuais grandes desafios do varejo são os juros altos e a inadimplência. As pessoas não conseguem trocar seus dispositivos. O senhor concorda?
As taxas de juros aumentaram muito nos últimos dois anos. As grandes lojas estavam com muitas dificuldades para concretizar as vendas. Agora, os juros começaram a cair. Os economistas apontam que é uma situação temporária.
Vocês vão promocionar mais?
Não, nós mantemos os preços como estão. Os especialistas estão dizendo que lá para julho ou agosto os juros estarão na casa dos 6%. Será possível respirar.
A LG aproveitou a CES para mostrar a sua primeira TV OLED com tela transparente e o processador Alpha 11. Qual é a importância de colocar mais tecnologia nos televisores? De que forma os consumidores vão perceber o impacto disso no cotidiano?
O processador Alpha 11 gera uma imagem perfeita com uso da inteligência artificial. Por isso este chip é tão importante. Também tem mais funções inteligentes. É o tipo de equipamento que precisa trocar no mínimo a cada dez anos. As smart TVs antigas não dão mais conta de aplicativos como YouTube, por exemplo.
Vocês batem na tecla do OLED há dez anos. Os concorrentes tiveram que se curvar para essa tecnologia. Quais foram os acertos e equívocos desta década?
A Samsung fez o lançamento da primeira TV OLED dela em vários países. No entanto, institutos de defesa do consumidor nos Estados Unidos e na Europa fizeram avaliações e descobriram que a LG é absolutamente melhor do que a Samsung. Ainda assim, eu entendo que a chegada de concorrentes é bom para nós.
É um reconhecimento?
Nós entendemos que a entrada de novas empresas faz com que todo o mercado cresça. E além disso, a Samsung usa painéis de TV fabricados pela LG.
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Thássius Veloso viajou aos Estados Unidos a convite da LG
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