Nesta semana, uma notícia circulou pela internet — com algumas manchetes sensacionalistas — e causou certo alvoroço: o núcleo do nosso planeta estaria parando de girar, e até mesmo poderia girar ao contrário. Mas será que isso é verdade? Bem, nem todos os cientistas validam a ideia.

O novo estudo foi realizado por Xiaodong Song e Yi Yang, pesquisadores da Universidade Peking, na China. “Este é um estudo muito cuidadoso de excelentes cientistas que colocam muitos dados”, disse o sismólogo John Vidale, da Universidade do Sul da Califórnia, que não participou da pesquisa.

Entretanto, “nenhum dos modelos explica todos os dados muito bem, na minha opinião”, completou Vidale. Outros pesquisadores compartilham dessa cautela, colocando “um pé atrás” antes de fazer qualquer afinação definitiva sobre o assunto.


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Núcleo da Terra

Mapeamento 3D do manto terrestre na região da África (Imagem: Reprodução/Mingming Li/ASU)

O núcleo do nosso planeta é dividido em duas partes, interno e externo. O lado mais interno é uma bola sólida formada principalmente de ferro, cercada pela parte externa, que também compartilha da composição ferrosa e alguns outros elementos.

Devido à natureza líquida do núcleo externo, a esfera sólida pode se mover em velocidade diferente à do manto da Terra — a terceira camada do planeta, sobre a qual está a crosta terrestre.

As descobertas sobre existência e a rotação do núcleo sólido são recentes. Para medir a velocidade da bola de ferro, os pesquisadores usam dados das ondas sísmicas, aproveitando eventos como os terremotos.

Em 1936, os pesquisadores descobriram a existência de um núcleo sólido, que teria cerca de 7.000 quilômetros de diâmetro. À medida que o ferro do núcleo externo cristaliza na superfície do núcleo interno, a densidade do líquido externo é alterada, gerando movimentos do dínamo que mantêm o campo magnético da Terra.

Quanto à velocidade da rotação no núcleo interno, os cientistas afirmam que, desde a década de 1960, o tempo de viagem das ondas sísmicas geradas pelos terremotos mudou. Isso sugere que o núcleo interno gira mais rápido que o manto do planeta, fenômeno que os pesquisadores chamam de “super-rotação”.

Simplificando, o planeta gira cerca de 360 ​​graus em um dia, enquanto o núcleo interno, em média, gira cerca de 1 grau por ano mais rápido que o restante da Terra.

A velocidade do núcleo muda?

Dentre as camadas que já conhecemos, aquela que foi descoberta no estudo ficaria abaixo do núcleo mais interno (Imagem: Reprodução/NASA (ADAPTED FROM GODDARD MEDIA STUDIOS)

Aqui é onde as coisas começam a ficar mais confusas, já que nem todos os cientistas concordam com a taxa de rotação calculada — que resultaria em um “desvio” de mais de 10 km a cada ano. Para esses pesquisadores, a velocidade não é contínua e pode mudar em determinados períodos.

Segundo alguns trabalhos, a super-rotação ocorre em algumas épocas, como no início dos anos 2000. Outros, apontam que a super-rotação não existe e que as diferenças nos tempos de viagem das ondas sísmicas são causadas por mudanças físicas na superfície do núcleo interno.

Para citar um exemplo, Vidale e Wei Wang, também da University of Southern California, usaram em uma pesquisa dados de ondas sísmicas geradas por explosões de testes nucleares dos EUA em 1969 e 1971. Os resultados mostraram que, nesse período, o núcleo interno da Terra havia diminuído de velocidade, girado mais lentamente que o manto.

Agora, o novo estudo de Song e Yang usaram dados sísmicos da década de 1990 e descobriram que, antes de 2009, as ondas sísmicas geradas por sequências e pares de terremotos repetidos viajavam em taxas diferentes através do núcleo interno. Isso levou à conclusão de que o núcleo interno estava girando em um ritmo diferente do resto da Terra.

Mas por volta de 2009, as diferenças nos tempos de viagem desapareceram, ou seja, o núcleo interno parou de girar em relação ao manto e à crosta. Em outras palavras, a rotação tinha a mesma velocidade da rotação do planeta.

Depois de 2009, essas diferenças das ondas sísmicas retornaram, mas indicavam que agora o núcleo estava girando na “direção oposta” em relação ao resto da Terra. Mas é preciso cautela com essa afirmação: ela não significa que o núcleo está girando ao contrário, e sim mais lentamente que o planeta.

A rotação do núcleo mudará de direção?

Ilustração das camadas da Terra (Imagem: Divulgação/The Smithsonian)

Não! Essa é uma confusão causada por notícias que interpretaram mal o linguajar dos cientistas, e não há vilões nessa história. Às vezes, os pesquisadores utilizam termos que, entre eles, funcionam, mas não para o público leigo. Esse foi o caso da notícia sobre o núcleo “girando na direção oposta”.

Imagine dois carros em uma corrida e você está dentro do carro A. Quando este veículo está mais devagar, você obviamente verá o carro B se movendo à sua frente. Se o carro A começar a correr mais rápido e ultrapassar o rival, na sua perspectiva será como se o carro B estivesse andando para trás, no sentido oposto ao seu.

É isso o que os cientistas querem dizer com “rotação na direção oposta”. O núcleo não pode — e nem irá — mudar o sentido, como se trocássemos a direção de um ponteiro de relógio da direita-esquerda para esquerda-direita.

Embora algumas notícias afirmem que a bola de ferro sólida mudará de sentido, temos que ter em mente que é a nossa perspectiva, como habitantes da crosta, que está em jogo. Perspectiva é a chave para compreender essas pesquisas científicas.

O que está acontecendo agora?

Ilustração das camadas terrestres separadas (Imagem: Reprodução/shooogp)

Song e Yang usaram dados sísmicos de várias décadas diferentes para estudar o comportamento do núcleo interno ao longo do tempo e inferiram que ele pode oscilar a cada 70 anos, aproximadamente, “mudando de direção” a cada 35 anos ou mais (lembre-se que é uma mudança na nossa perspectiva).

Eles ainda afirmam que essas oscilações podem explicar as variações na duração dos dias da Terra, que ocorrem em 60 a 70 anos, e no comportamento do campo magnético do planeta. Mas ainda não se sabe muito sobre isso, principalmente o que causa essas variações de rotação.

No momento, ainda não há consenso sobre o que está havendo no coração da Terra. Como dito antes, há pesquisadores propondo que o núcleo interno não está se movendo e que as diferenças nos tempos de propagação das ondas são causadas por transformações na forma da superfície do núcleo interno.

Entre estes, está Lianxing Wen, um sismólogo da Stony Brook University que não acredita em um núcleo interno girando de maneira diferente da superfície, mas sim nos padrões sísmicos mudando devido às alterações na superfície do núcleo interno ao longo do tempo.

Isso faz sentido porque o núcleo líquido, na superfície onde ele se encontra com o núcleo interno, se cristaliza devido aos movimentos de convecção e se junta ao núcleo sólido, alterando o formato da bola de ferro sólida.

Contudo, ainda não podemos tirar nenhuma conclusão, já que os cientistas ainda não chegaram a um consenso. De qualquer forma, podemos afirmar algo sem sombra de dúvidas: com ou sem mudanças na rotação do núcleo interno, não haverá diferença alguma para nós, habitantes da crosta.

Por outro lado, os estudos são importantes para melhor compreensão dos mecanismos internos da Terra e, por tabela, dos planetas rochosos com núcleos semelhantes ao nosso.