No debate sobre inteligências artificiais, esse tópico não fica muito tempo sem ser mencionado. Qualquer coisa gerada por uma IA – seja uma ilustração do Midjourney ou uma sugestão de cardápio vegano do novo Bing – é resultado de um complexo processo de aprendizado. E os autores dos materiais a partir dos quais as IAs aprendem são, geralmente, humanos.
No caso do chatbot do Bing – assim como seu competidor do Google –, isso significa que os resultados de buscas são analisados, e servem como base para geração das respostas em linguagem natural. A IA lê textos já existentes e cria novos com base neles, entregando resultados sintetizados ao usuário.
O problema aí é óbvio. Nilay Patel, repórter do Verge, o colocou da seguinte forma: “Acho que você enfrentará muito escrutínio de editores, criadores e outros proprietários de sites, dizendo: Ei, esses são nossos dados de treinamento“.
Uma forma mais direta de colocar a questão seria: as pessoas não vão gostar nada de fornecer, de graça, conteúdo para treinar a sua IA de milhões de dólares, cara. Sobretudo quando essa IA provavelmente vai afetar o principal índice para qualquer site que pretende permanecer no ar: o seu volume de tráfego.
O que é o tal “uso justo”?
Não é difícil entender de onde vem a preocupação com a perda de público. Numa internet em que chatbots entregam respostas fechadas a partir da consulta a diversas fontes, uma parcela dos usuários não vai se dar ao trabalho de clicar em links.
As consequências são fáceis de prever. Menos audiência significa menos renda, afinal, a publicidade exibida nos sites só dá retorno se for vista. Com menos dinheiro, produtores de conteúdo encontrarão dificuldade para fechar as contas. Matemática pura.
Satya Nadella, por outro lado, não parece tão preocupado. Na entrevista citada anteriormente, ele aposta que os chatbots levarão mais tráfego para os sites. Ele lembra que o texto gerado tem links para as fontes consultadas, o que, em tese, levaria usuários até elas.
Outro momento interessante da entrevista é quando o líder da Microsoft fala sobre uma possível estrutura legal que regule a ação dos chatbots. Ele também menciona “incentivos financeiros” para os envolvidos.
A impressão que Nadella passa é de otimismo, ressaltando que tudo depende do “uso justo” do conteúdo dos criadores. O problema é que ele não apresenta uma definição muito clara do que seja isso, mostrando que os limites do que é ou não é razoável ainda estão sendo compreendidos.
Faz sentido: a tecnologia ainda está em testes. Precisamos aguardar para ver como será apropriada pelos usuários. Além disso, há algo que Nilay Patel lembra: caso os buscadores parem de escoar tráfego para os sites, reguladores ao redor do mundo podem começar a olhar com menos simpatia para a ferramenta.
De toda forma, criadores de conteúdo já coçam a cabeça. O que a IA não será capaz de responder, levando o usuário de volta ao conhecido roteiro de rolar a tela e clicar num link?
Busca não é mais só um ponto de partida
A chegada das inteligências artificiais de conversação aos buscadores é uma novidade. Mas as discussões que geram apontam para uma tendência que já se observa há algum tempo nas buscas: não ser apenas um ponto de passagem para os usuários.
Houve um tempo em que o Google ficaria mais do que feliz em ser um trampolim para outro site. Numa entrevista à revista Playboy, em 2004, Larry Page cita essa característica como um diferencial do Google da época em relação aos grandes portais.
Queremos que você acesse o Google e encontre rapidamente o que deseja. Ficaremos felizes em enviar você para os outros sites. Na verdade, esse é o ponto. A estratégia do portal tenta possuir todas as informações.
Qualquer pesquisa feita no Google hoje mostra que esse ideal já era. O Google vai tentar te manter na página de busca. E, para certos tipos de pesquisa, ele consegue, apresentando respostas a partir de fragmentos de informações de outros sites. O mesmo pode ser observado no Bing.
Pode ser um parágrafo em destaque extraído da Wikipedia, já contendo a resposta para uma dúvida simples. Ou a seção “As pessoas também perguntam”, com buscas semelhantes e acesso rápido às respostas. Você só vai até os links se for realmente necessário.
Os principais mecanismos de busca, portanto, não se contentam mais em ser pontos de partida. Querem ser, eles próprios, pontos de chegada. A compreensão do que significa ajudar o usuário a “encontrar rapidamente o que deseja” mudou.
Se os chatbots se tornarem o sucesso que as empresas preveem, podemos esperar que essa tendência apenas de fortaleça. Como conversamos no Tecnocast 276, a web já não é tão aberta quanto parece, e as inteligências artificiais na busca podem contribuir para o processo – já em andamento – de centralização da internet.
Os chatbots de busca vão tornar a internet ainda mais centralizada?
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