O aumento da taxa de juros americana reverbera com força no setor de tecnologia. A partir desse aumento, houve uma mudança nas expectativas dos investidores, que passaram a exigir um retorno maior sobre o capital investido.

A onda de demissões nas empresas de tecnologia parece não ter fim (Imagem: Vitor Pádua / Tecnoblog)
A onda de demissões nas empresas de tecnologia parece não ter fim (Imagem: Vitor Pádua / Tecnoblog)

Nessa nova realidade, as empresas precisam cortar custos ao máximo. É nesse contexto que observamos o fenômeno das demissões em massa em startups e Big Techs, em curso desde 2022. O cenário é angustiante: o número de trabalhadores dispensados chega às centenas de milhares.

No entanto, a subida nos juros não pode ser colocada como a única causa das demissões. É preciso considerar o papel das próprias empresas, a maneira como se portaram nos anos de pandemia, quando a situação econômica era mais favorável.

A economia traz à superfície problemas que ficavam escondidos, ou que talvez nem eram vistos como problemas. E o problema trazido à luz neste momento é a empolgação excessiva. Isso fica evidente quando notamos que, entre as empresas que agora demitem, muitas vinham contratando vorazmente até bem pouco tempo.

“Não aconteceu da maneira que eu esperava”

Numa conjuntura de juros mais baixos, os investidores se mostravam mais dispostos a arriscar. Foi o que aconteceu em 2020 e 2021, quando os bolsos dos fundos de venture capital se abriram para financiar uma ampla gama de negócios na área de tecnologia.

Com muito dinheiro fluindo, as empresas puderam se aprimorar em diversas áreas, incluindo aí a aquisição de talentos. O trabalho remoto ajudou nesse ponto: era possível contratar profissionais dos mais diversos lugares do mundo.

Uma vez que o digital se tornou a regra à medida que a pandemia prosseguia, os negócios que operavam nessa lógica naturalmente tiveram procura maior. Dos streamings às fintechs, passando pelo comércio eletrônico, plataformas de cursos on-line e redes sociais: a alta demanda justificava a chegada de novos colaboradores.

Não é à toa que, nesse momento de layoffs, vários comunicados de empresas remetem a esse momento de crescimento. Sundar Pichai, CEO do Google, disse o seguinte no anúncio da demissão de 12 mil colaboradores, em janeiro:

Nos últimos dois anos, vimos períodos de crescimento dramático. Para acompanhar e alimentar esse crescimento, contratamos para uma realidade econômica diferente da que enfrentamos hoje.

CEO do Google, Sundar Pichai (Reprodução)
CEO do Google, Sundar Pichai (Reprodução)

Essa “realidade econômica diferente” tem a ver com inflação, aumento nas taxas de juros (nos EUA e em outros países), corte de gastos por parte do público e a guerra na Ucrânia; enfim, um conjunto complexo de fatores. As empresas apostavam que o crescimento se manteria após a pandemia, mas o tempo mostrou que estavam erradas.

Mark Zuckergerg, CEO da Meta, explica a questão da seguinte forma:

No início da Covid, o mundo mudou rapidamente para o online e o aumento do comércio eletrônico levou a um crescimento descomunal da receita. Muitas pessoas previram que seria uma aceleração permanente que continuaria mesmo após o fim da pandemia. Eu também, então tomei a decisão de aumentar significativamente nossos investimentos. Infelizmente, isso não aconteceu da maneira que eu esperava.

Agora a prioridade é eficiência…

No Tecnocast 283, brincamos com a seguinte situação: você está à frente de um negócio, e alguém diz que tem R$ 10 milhões de bobeira que deseja investir na sua empresa. Quem é que vai responder não para essa proposta?

Segundo Rodrigo Fernandes, especialista em finanças para negócios digitais, o sim para os R$ 10 milhões, mesmo sem necessidade de toda essa grana, tem a ver com a própria dinâmica do venture capital. Empresas que receberam esse tipo de investimento precisavam mostrar que estavam dando algum fim para ele.

Contratações podem se inserir nesse exato contexto. Mas a pergunta que deveria estar sendo feita é: a empresa precisa de tantos novos funcionários? Ou, dito de outra forma: há, efetivamente, onde aproveitá-los?

Existe uma pressão, às vezes implícita, às vezes explícita, de que esse capital tem que ser aplicado em alguma coisa. E aí, muitas vezes, a contratação vem primeiro, depois vem o projeto, depois de ter a contratação da equipe e ter o projeto é que vai se analisar realmente a viabilidade e o retorno daquele projeto… Muitas vezes, na ânsia de mostrar serviço, de mostrar que as coisas estão acontecendo, mostrar uma sede bonita e cheia de gente, a gente não para pra fazer conta com cuidado.

Claro que é mais fácil perceber isso pouco mais de dois anos no futuro do que no momento em que o erro era cometido. Ainda assim, é um tanto surreal que esse processo tenha ocorrido em tantas empresas.

Mark Zuckerberg (imagem: Reprodução/Facebook)
Mark Zuckerberg (imagem: Reprodução/Facebook)

Agora, passada a euforia, a prioridade é gastar com mais eficiência. Não é por coincidência, a palavra aparece várias vezes no comunicado de Zuckerberg – o mesmo que mudou o nome de sua empresa para perseguir a ideia de metaverso e investiu bilhões na mesma, sem nenhum resultado sólido até então.

Prioridades mudam, como se vê.

E, no fim das contas, a parte mais afetada são os milhares de funcionários dispensados. Alguns se mudaram de país para assumir novos cargos, e agora enfrentam o risco de perder o visto de trabalho. Em pouquíssimo tempo, a conta da euforia descontrolada e das contratações pouco cuidadosas chegou. E são pessoas.

Como a euforia deu origem a uma onda de demissões