O objetivo da Worldcoin Foundation é escanear a íris do maior número de pessoas possível. Para participar, basta fazer o cadastro no aplicativo do projeto, o World App, agendar uma hora e se dirigir ao ponto de coleta mais próximo. Lá, um dispositivo chamado Orb tira das fotos em alta resolução da parte colorida do olho do participante.
O World App também conta com uma carteira digital. Para cada íris cadastrada, os responsáveis pagam 25 WLD. Trata-se do Worldcoin Token, criptomoeda ligada ao projeto. No momento em que este texto é escrito, 1 WLD vale exatamente US$ 1,01.
As perguntas que se colocam são óbvias: por que uma empresa privada decidiu ir atrás de dados biométricos ao redor do mundo? E quem está por trás disso? A primeira pergunta tem uma resposta longa; já a segunda, podemos responder bem rapidamente: Alex Blania e Sam Altman.
Mas você está perdoado caso só reconheça um dos nomes acima.
Uma identidade para cada pessoa no planeta
O Worldcoin foi tema do Tecnocast 303. Por trás da iniciativa está a Tools for Humanity, empresa fundada por Blania e Altman. Este último é o CEO de uma das empresas mais faladas do momento, a OpenAI. O projeto paralelo do executivo pode parecer desconectado de seu trabalho no campo da inteligência artificial, mas você já vai ver que não é bem assim.
O motivo do recolhimento dos dados biométricos é a intenção de criar uma identidade digital global. Ela funcionaria de modo descentralizado, num protocolo aberto chamado World ID. Ele permitiria atestar que os participantes são seres humanos reais e únicos.
Daí o escaneamento da íris. Ao fim do processo, a empresa afirma que as imagens são imediatamente deletadas do Orb, que gera um código numérico especial para cada pessoa. O caráter único de cada íris e a necessária presença física no local de coleta confirmam a singularidade de cada indivíduo cadastrado.
Há uma forte ênfase na privacidade. Isso seria possível através do conhecimento de prova zero, um método criptográfico para aferição da veracidade de informações. Com ele, alguém poderia provar que é uma pessoa específica sem sequer compartilhar o próprio nome, por exemplo.
Os usos possíveis dessa identidade vão desde a autenticação em redes sociais ou plataformas de venda até formas complexas de governança e votação em organizações públicas ou privadas.
Outras aplicações incluem serviços financeiros, indo de benefícios sociais pagos por governos à ideia mais abrangente de uma renda básica universal. A Worldcoin entraria como a plataforma que tornaria isso possível ao criar as condições de provar, de modo descentralizado, que você é de fato você.
E, na era da inteligência artificial, é possível que isso se torne muito necessário.
Todo mundo preocupado com IA, até mesmo Sam Altman
Segundo o whitepaper do Worldcoin, a implementação de uma identidade digital é necessária para lidar com o avanço da IA. Mais do que uma identificação pessoal, trata-se de estabelecer uma infraestrutura para confirmar que estamos de fato interagindo com outros seres humanos.
Temores nesse sentido tem sua razão de ser numa época em que deepfakes podem simular a aparência humana, e criminosos clonam vozes para acessar contas bancárias e aplicar golpes financeiros.
A inteligência artificial “inspira” a existência da Worldcoin num outro aspecto. Sam Altman já disse abertamente que postos de trabalho serão eliminados pelos avanços em IA. Por isso, alguma forma de renda básica universal teria de ser implementada.
Sobre isso, o whitepaper diz o seguinte:
À medida que a IA evolui, a distribuição justa do acesso e de parte do valor criado através da renda básica universal desempenhará um papel cada vez mais vital na neutralização da concentração do poder econômico.
E a World ID seria parte da solução para o problema apontado, garantindo um registro único para cada indivíduo. Dessa forma, além de fornecer a solução para cadastro e distribuição de valores, o protocolo protegeria o sistema de erros e fraudes.
De onde vem o dinheiro é outra história. A atuação da Worldcoin é como fornecedora do protocolo que faz o programa social funcionar. Identificação, autenticação, pagamentos: as ambições da Worldcoin são globais e se estendem a todas as áreas possíveis.
Resta saber o que os governos ao redor do mundo têm a dizer. Spoiler: eles dificilmente receberão a empresa de braços abertos.
Quanto vale a sua íris?
O Quênia foi o primeiro país a proibir a atuação da Worldcoin em seu território. Os receios da Autoridade de Comunicações da nação africana residem no tratamento dos dados coletados – as íris escaneadas –, bem como à criptomoeda do projeto. Enquanto isso, França, Alemanha, Reino Unido e outros investigam se o projeto viola leis de privacidade locais.
Aqui no Brasil, onde a Worldcoin atua – há pontos de cadastro na cidade de São Paulo –, o principal questionamento diz respeito à LGPD. Ainda que não haja uma investigação formal da Agência Nacional de Proteção de Dados, especialistas ouvidos pela Exame questionaram certas práticas da empresa, como a clareza das informações passadas a potenciais participantes.
As controvérsias não param por aí. Há todo um debate a respeito da atuação da Worldcoin em países com populações economicamente vulneráveis, como Sudão e Indonésia. Estas localidades favorecem o cadastro de novos membros, atraídos pela promessa de dinheiro e não necessariamente bem informados a respeito do projeto.
Uma longa reportagem do Technology Review destaca que, em certos países, a Worldcoin ofereceu inclusive moeda local, além de Airdpods, para atrair participantes, que nem sempre entendiam no que estavam se cadastrando. A abordagem utilizada nestas comunidades merece no mínimo alguns questionamentos de cunho ético.
Apesar desses aspectos problemáticos, o projeto continua ao redor do mundo. Até o momento, mais de 2 milhões de pessoas decidiram participar. O que já está mais do que claro, independentemente das suspeitas sobre o tratamento dos dados, é que o valor de uma íris pode variar bastante.
Afinal, o preço do WLD caiu mais de 60% desde o seu lançamento.
O CEO da OpenAI quer escanear a sua íris
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