Trata-se de uma ideia um tanto esquisita. As bikes e patinetes eram alugadas por aplicativo, e o usuário podia deixá-las onde julgasse conveniente. Muita gente gostava dessa comodidade; as prefeituras, nem tanto.
Em mais de uma ocasião, os meios de transporte oferecidos por startups como Yellow e Grin foram apreendidos. Era um prenúncio de que o mercado de micromobilidade podia ser interessante, mas ainda precisava atingir certa maturidade.
Corta para 2023. Yellow e Grin não estão mais operando. O mesmo vale para a Lime, outra competidora que chegou a se aventurar por aqui. Até mesmo o Uber fez uma tentativa, mas também desistiu. O que aconteceu?
Bem, no meio do caminho do segmento de bikes e patinetes compartilhados houve uma pandemia, é claro. Mas não foi só isso que tirou tantos players do mercado.
Quem ficou para trás
O jeito mais simples de explicar o fracasso de muitas operações de micromobilidade no Brasil é que elas não foram suficientemente rentáveis. Esse fato fica claro quando olhamos para a Grow.
Nascida em 2019 da fusão da brasileira Yellow com a mexicana Grin e contando com uma grande frota, a empresa prometia ser um dos grandes representantes do setor na América Latina.
O que acabou acontecendo, no fim das contas, foi o encerramento da operação com bikes. Os patinetes foram mantidos em apenas três cidades. O enxugamento foi descrito como um “ajuste operacional”.
A empresa acabaria sendo vendida para um fundo de investimentos com o objetivo de torná-la lucrativa. Mas esse futuro não chegou, e, em julho de 2020, um pedido de recuperação judicial foi apresentado. As dívidas chegavam a R$ 38 milhões.
Pouco tempo antes disso, outro player, a Lime, já havia feito uma demissão em massa e anunciado a saída do mercado brasileiro, além de outros onze. Sinal de que o setor apresentava desafios consideráveis.
Trata-se de uma operação com custos elevados. A frota precisa de constante manutenção, além de estar sujeita a furtos. E estes gastos não podem ser de todo repassados ao usuário, sob o risco do produto se tornar menos atrativo. Em resumo, é difícil dar lucro.
Some-se a isso o período de pandemia, durante o qual muita gente não pôs os pés para fora de casa. Um golpe impiedoso num negócio voltado para locomoção de pessoas.
Recentemente, a Grow teve sua falência decretada. Além da Lime, o Uber — que tinha até comprado uma startup da área — também não prosseguiu com a operação. Com isso, este mercado que um dia esteve aquecido esfriou significativamente.
Quem permanece
Uma startup, no entanto, conseguiu se manter em meio à queda dos concorrentes. Foi a Tembici, fundada em 2010. Desde 2017, a empresa opera as famosas bicicletas do Itaú.
No Tecnocast 314, conversamos com Maurício Villar, cofundador e Diretor de Operações da Tembici. Ele deu detalhes dos modelos de negócio da empresa e compartilhou suas percepções sobre o setor de micromobilidade no Brasil.
Para começar, a Tembici trabalha muito com parcerias. A mais conhecida é com o Itaú, mas também há acordos com empresas como iFood e Gympass, além de prefeituras. A receita com o cliente que aluga as bikes nas estações é importante, mas não é a única, o que é importante num mercado com custos tão altos.
Outro ponto é a logística. Lembra das bicicletas e patinetes que ficavam largados pelas cidades? Esse tipo de operação é chamado de dockless, ou seja, sem estações. Uma parte significativa dos problemas das empresas que saíram do mercado, segundo Villar, veio daí.
A primeira coisa que todo mundo pensa é “vão roubar todas as bikes”. E é verdade, roubam muito mais bicicletas nesse modelo. Mas ele traz outros problemas, também. É uma dificuldade logística muito maior. Você oferecer uma bicicleta de qualidade é muito mais custoso no modelo dockless. No nosso modelo, com estação, você tem mais previsibilidade, você consegue oferecer uma qualidade de serviço melhor.
As estações fixas oferecem mais organização, o que é preferível para marcas interessadas em realizar parcerias. O modelo dockless não trouxe esse tipo de benefício para quem apostou nele.
A dor de cabeça do patinete elétrico
Outra diferença entre a Tembici e os demais players é o foco nas bikes. A empresa até fez um teste com patinetes em 2018, mas optou por não oferecer mais o produto.
Para além da complicação do modelo de dockless, há também questões inerentes ao próprio patinete. Ele não é tão familiar para a maioria dos usuários quanto a bicicleta, e não funciona tão bem em certos relevos. Pense em cidades com muitas ladeiras, por exemplo.
Além disso, por ser elétrico, o patinete adicionava novas complexidades à execução. Carregamento, autonomia das baterias, despesas com manutenção; mais elementos numa operação já bastante intrincada.
Mas o que de fato selou o fim da oferta de patinetes na Tembici foi o fator segurança. Segundo Villar, o produto não estava pronto para as ruas, o que punha os usuários em risco.
Esse foi o principal fator pra gente abandonar e abandonar tão rápido o nosso projeto com patinetes. (…) A gente começou a perceber um volume de acidentes de categoria mais grave com uma frequência muito maior, absurdamente maior que com a bicicleta.
Villar ainda cometa que, na época, alguns dos patinetes disponíveis se pareciam mais com brinquedos do que com meios de transporte. Modelos mais atuais se mostram mais seguros, mas o custo também sobe, dificultando o retorno financeiro.
Para a Tembici, portanto, o negócio é 100% bicicleta. E, mais recentemente, os investimentos se voltaram para as bicicletas elétricas. A empresa inaugurou um centro de pesquisa e inovação próprio, voltado para aprimorar a tecnologia dessa modalidade.
A primeira bike elétrica criada no centro oferece, entre outras coisas, autonomia de 100km e pneus anti-furo. O modal representa a grande aposta da empresa para o futuro. Pelo menos de acordo com a Tembici, é para lá que o serviço de micromobilidade está se movendo.
Para onde o mercado de micromobilidade está se movendo?
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