Batman sempre foi o alvo preferido dos críticos de quadrinhos, principalmente porque ele é um dos personagens mais populares da cultura pop. Além disso, é um humano entre deuses que reflete várias das nossas qualidades e limitações, de forma que sua verossimilhança o conecta mais facilmente a uma ampla gama de leitores. E uma pergunta sempre assombrou o Homem-Morcego: “Por que ele expõe crianças como o Robin a tantos perigos?”
Quando Batman estreou em Detective Comics #27, em 1939, suas tramas eram muito simplórias, e seguiam, basicamente, a narrativa que fazia sucesso na literatura de mistério do século XIX. Os detalhes de sua sobre suas motivações e elementos psicológicos e emocionais ainda não eram relevantes.
Bruce Wayne foi moldado naqueles primeiros anos para ser um “sonho de consumo”, um estadunidense rico em um país se recuperando da queda da Bolsa de 1929 que podia se dar ao luxo de brincar de Sherlock Holmes — veja bem, o ricaço ia de pantufa e cachimbo se intrometer no trabalho da polícia, por puro tédio.
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A mídia de quadrinhos estava em plena efervescência, e, para aumentar as vendas, as editoras perceberam que era necessária uma figura a qual as crianças e adolescentes também pudessem relacionar-se. Os ajudantes de heróis existem desde Sancho Pança dos anos 1790 e foram bem também com Watson de Sherlock Holmes no século XIX.
Então, os autores, sem pensar muito no que isso significaria no mundo real, apenas colocaram vários sidekicks ao lado de heróis nos anos 1940. Assim, em Detective Comics #38, Robin estreava como ajudante do Batman. Essa tática foi extremamente bem-sucedida e ajudou a popularizar os quadrinhos em todo o mundo.
Mas… em uma época de guerra, mortes e mudanças intensas, muita gente se aproveitou para culpar as mazelas do mundo justamente na mídia em ascensão.
A Sedução do Inocente
No início dos anos 1950, a ala temerosa e ignorante que não aceitava um mundo se revelando a cada dia mais complexo, preferiu enterrar uma mídia que também podia trazer informações úteis e capazes de questionar o status quo das classes socialmente e economicamente favorecidas nessa época. E muita gente intelectualmente melhor posicionada foi instigada a questionar novidades que pudessem afetar as convenções sociais vigentes.
Então, quaisquer novas manifestações capazes de trazer mais informações e de maneiras diferentes eram condenadas — fosse via músicas, filmes, textos, livros, debates e… quadrinhos. Como as HQs estavam associadas a crianças, e muitas delas liam escondidas dos pais, tornaram-se rapidamente em uma “justificativa” para as mudanças comportamentais de jovens que não se contentavam com o mundo ultrapassado de seus pais.
Esse era um momento de muita experimentação de mídias e expressões, assim como de ideias e conceitos. Então, a ascensão de histórias em quadrinhos de terror, erotismo, ficção científica e outros temas considerados “proibidos” ajudou a colocar as HQs como um alvo da classe conservadora. E isso aconteceu em um lugar onde os jovens leitores não podiam lutar na época: nas cadeiras das escolas.
Em 1954, o psiquiatra alemão Fredric Wertham fez um trabalho excepcional de pesquisa e coleta de HQs, em uma época sem internet e ampla distribuição de conteúdo. Seu livro, Seduction of the Innocent (Sedução do Inocente) colocava a rebeldia e a delinquência juvenil, que estavam “em alta” simplesmente porque passaram a ser mais noticiados nos primórdios dos meios de comunicação.
Como o trabalho de Wertham, um alemão com escola tradicional reconhecida, trazia exemplos claros de trechos de gibis que apoiavam suas teses, muita gente ficou impressionada — principalmente no meio acadêmico. O recorte descontextualizado de uma HQ do Batman em que Bruce Wayne conversa com Robin, por exemplo, tornava-se facilmente em uma cena de abuso infantil cometida por um milionário desocupado e fetichista que desafia leis como um vigilante vestido em uma medonha roupa de couro.
Esse livro e o impacto que teve no corpo docente mundial, em uma época em que as diretrizes estudantis que regem o ensino fundamental de vários países até os dias atuais eram formuladas, transformam os quadrinhos em um “sub literatura” e “arte marginal” até hoje em comunidades menos informadas.
Para piorar, muitos autores nunca se deram ao trabalho de realmente corrigir equívocos de caracterização ao longo do tempo, mesmo quando as oportunidades surgiram. Então, até hoje, para muita gente Bruce Wayne é um ricaço doente que gosta que meninos de pouca idade; ou um capitalista que abusa do trabalho infantil; ou um adulto bandido sem noção e inconsequente que coloca crianças em perigo.
Eis que, finalmente, a DC tem resolvido isso ao longo dos anos e uma nova HQ ajuda o Batman a se explicar melhor sobre esse tema mais sensível.
Batman explicando Robin
As definições complexas de temas mais polêmicos ainda apareçam de forma tímida nas HQs de Batman. Foi só recentemente que ele admitiu problemas mentais e que ele não luta mais exatamente pelo trauma de ter se tornado órfão de maneira chocante; mas sim porque algo dentro dele gosta de impor castigo aos bandidos que exploram pessoas indefesas.
Atenção para spoilers de Batman and Robin: Year One #1!
E eis que, em uma nova HQ, a DC finalmente responde à longa questão debatida de por que Batman deixa uma criança lutar contra o crime, ao revelar sua primeira missão conjunta com o primeiro Robin, Dick Grayson, que, na época, era um adolescente.
Em Batman and Robin: Year One #1, que chega às bancas nesta semana, uma conversa entre Bruce Wayne e Alfred Pennyworth aborda justamente a questão de um jovem como Dick se tornar o ajudante do Batman. Alfred até leva em consideração o passado do menino, mencionando que a morte de seus pais provavelmente reprimiu uma raiva incalculável que poderia levá-lo a correr “riscos que nenhuma criança deveria”.
No entanto, Bruce responde que se não der a Dick a oportunidade de lutar com Batman, “ele fugirá para começar uma guerra própria, sem supervisão”. Isso faz sentido no período narrativo em que Robin se encontra, pois nesta época ele era semelhante ao seu pai adotivo.
Ao longo do tempo, ficou claro que Bruce permite a crianças pequenas como Dick lutarem com ele, apesar da idade, simplesmente porque sabe que não há nada que possa fazer para impedi-las. Em vez disso, ele dá a eles o espaço para aprender os direitos e os erros de ser um herói e servir a um supervisor para garantir que eles nunca cedam aos seus desejos obscuros.
Sem a ajuda de Bruce, Dick e os outros Robins provavelmente teriam futuros bem mais sombrios.
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